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26 de agosto de 2014

Invisível

Quando criança, ficava pensando como seria legal ter superpoderes. Imaginava como seria incrível se eu pudesse congelar tudo ao meu redor como o Homem de Gelo. Fazia elaborados planos de como usar o anel do Lanterna Verde. Dava asas à imaginação tentando encontrar uma maneira de ser forte como o Colossus, mas ainda assim ser uma pessoa de bem (difícil, porque iria querer resolver tudo na brutalidade). Mas o poder que mais me interessava era o da invisibilidade. A ideia de poder andar por aí sem ser percebido me deixava encantado.

Nos quadrinhos e nos desenhos, a invisibilidade é uma vantagem enorme. Em Caverna do Dragão, por exemplo, Sheila possuía uma capa que a deixava invisível. Em situações de perigo, ela conseguia fugir com facilidade. Quando precisava roubar alguma coisa, era só colocar o capuz e pronto. Eu desejava a invisibilidade para pegar chocolates do mercado sem que ninguém me visse, confesso.

Mas o homem invisível de H. G. Wells mostra que ser invisível não é lá tão vantajoso. Antes um brilhante cientista, Griffin acaba por ficar louco. A reflexão levantada por Wells vai além da ética ou da moral; acima de tudo, nos leva a refletir sobre a solidão e sobre o abandono (bom, essa é a minha interpretação). Ser invisível pode ser vantajoso em algumas situações específicas. Na verdade, o que desperta a imaginação na invisibilidade é a ideia de poder utiliza-la quando bem entender. Mas e quando se é invisível, em todo o tempo?


Já me senti invisível muitas vezes. Até hoje, vez ou outra me bate a sensação de que não tem ninguém me vendo. E posso dizer que isso é terrível. A sensação de não ser notado é cruel porque mexe com a confiança da gente e dá força àquela voz interior que diz “você não é bom o suficiente”. Sentir-se irrelevante, parte do ambiente, é pior do que ser odiado. Quem é detestado pelo menos desperta alguma reação. O que não é visto simplesmente é ignorado.

Certa vez um amigo – que hoje descansa na glória de Deus – me disse que, ao me conhecer, me achava tão relevante quanto o sofá da casa de meus tios, lugar que ele frequentava. Para ele, antes de sermos amigos, eu era comparável a um móvel. Apesar de levar aquilo como brincadeira, isso nunca saiu de minha mente.


Como alguém que já passou (e ainda passa) por esse sentimento de invisibilidade, tenho me comprometido a não permitir que ninguém mais passe por isso. Assumi um compromisso particular de perceber as pessoas que me cercam. Decidi que vou não só olhar, mas ver quem está ao meu redor. Que Deus nunca me permita fazer com que alguém se sinta invisível perto de mim.  

5 de agosto de 2014

Jajá, Juju e gratidão

Alguns anos atrás, existia um personagem chamado Jajá no programa Zorra Total. Interpretado pelo ator Welder Rodrigues, Jajá era a antítese do que se espera de um personagem de televisão: feio, com a voz irritante e completamente sem noção. Ele tinha dois bordões inesquecíveis – “tô doido” e “eu não mereço tanto”. Ri muito com o Jajá, mas a lição que ele me ensina é sobre gratidão.

Muitas vezes nós somos mal-agradecidos por aquilo que temos. Olhamos para o que o outro tem e damos mais valor. Já aconteceu comigo e acredito que com você também. Você compra uma roupa e fica feliz com ela por um tempo. Em seguida, um amigo seu compra uma roupa mais cara, mais colorida, mais bonita, e você passa a achar a sua horrível. Você viaja para a praia gastando pouco e se diverte; o amigo vai para Cancun e você suspira, detestando a própria sorte.

“O jardim do vizinho é sempre mais verde”. Esse dito popular é tão verdadeiro que chega a incomodar. A igreja do outro é a mais bacana. O carro do outro é que é o melhor. As férias da outra são as férias dos meus sonhos... E vamos conduzindo nossa vida olhando tanto para a vida do outro que deixamos de apreciar aquilo que graciosamente Deus nos dá. É um desafio olhar para a própria vida e agradecer a Deus. Claro, quem consegue ser grato quando aparece uma doença, quando as contas estão acumulando, quando vem o desemprego, quando nada que você faz dá certo? Mas o salmista nos ensina uma lição valiosa: “Bendiga o Senhor a minha alma! Não esqueça nenhuma de suas bênçãos!”.

Gosto do Jajá porque ele era casado com uma mulher que, para nossos padrões de beleza, seria considerada feia. Mas ele era tão apaixonado por ela que brigava com quem tocasse em sua amada. E ainda falava um honesto “eu não mereço tanto”. Jajá era grato por ter uma mulher, uma companheira com quem dividir suas lutas, alegrias, uma amiga com quem podia contar. E sabia que tinha que ser grato, porque de fato nós não merecemos nada. O melhor de nós não merece mais do que o pior de nós. O mais bonito não merece mais que o feioso. O rico não merece mais que o pobre. Jajá sabia disso. Parece-me que Jajá entendeu a graça de Deus melhor do que a gente.


13 de maio de 2014

Coração de pedra

Acabo de chegar do sepultamento de mais um jovem. Desde o fim do ano passado, já se foram três aqui da nossa igreja. Um deles era mais do que um amigo, era um irmão. Hoje assisti a interrupção brusca e precoce de mais uma história. Um jovem dentista de 29 anos, de sorriso fácil e de muitos amigos, perdeu a vida na estrada em um acidente. 

Como pastor de juventude, faço questão de participar de momentos como esse. Quem me conhece melhor sabe que nunca fiz as pazes com a morte – e acho que nunca farei –, mas ainda assim entendo que preciso estar ali, junto dos amigos e familiares. Preciso oferecer um abraço sincero e um pouco de meu tempo para aqueles que sofrem. Entendo que, como pastor e como parte do corpo de Cristo, preciso orar pela jovem viúva que começou mais uma semana de trabalho recebendo a notícia de que havia perdido o único amor de sua vida. Como pastor e parte do corpo de Cristo, preciso chorar com os amigos que perderam um colega de futebol, um parceiro de caminhadas, um confidente para as horas difíceis.

Um dia, poucas semanas após minha consagração pastoral, um colega mais experiente me disse que “com o tempo a gente se acostuma” com a morte. Com o tempo, a gente se acostuma a ver o sofrimento dos outros e a não sentir nada. Com o tempo, a gente se acostuma a olhar para um caixão e não ver uma pessoa, uma história, uma vida, mas só um pedaço de carne dentro de uma caixa de madeira. Confesso, aquilo me feriu. Não quero me acostumar! Não quero ter um coração de pedra! No dia em que eu parar de sentir a dor do outro, terei sufocado totalmente o amor e a compaixão que Cristo coloca no coração de seu povo.

Peço a Deus que preserve a vida de nossos jovens e adolescentes, para que nenhuma família precise passar por isso. Mas a vida tem disso e fatalidades acontecem. Quando acontecerem, espero que as pessoas possam encontrar em mim um amigo, um companheiro de choro, de oração e de caminhada. Que na hora do luto, o amor e a compaixão me movam em direção à ação solidária, e não à frieza. Amém. 

24 de abril de 2014

Nascido para ser grande?

Teologicamente falando, minha cabeça vivia em guerra. Desde minha conversão, fui a todo tipo de congresso e ouvi todo tipo de pregação. O discurso mais sedutor – e o que mais me causou feridas espirituais – foi o da vitória, o “você vai vencer”, o “você nasceu para ser grande”. Essa teologia triunfalista é perigosamente atraente porque mexe com um desejo oculto que muitos (todos, arrisco) têm dentro de si: fama, poder, status. 

Quando entrei para o seminário, transferi os sonhos de grandeza para o ministério. Influenciado por livros como “Preparado para ser grande” e coisas do tipo, criei em minha mente um ideal de sucesso ridículo e inalcançável. Cheguei a orar – e que Deus tenha misericórdia de mim – pedindo para ser um pastor famoso como o Lucinho Barreto, que viaja pra cima e pra baixo, tem site, vende camisa, dá autógrafo e por aí vai. Em outras palavras, eu queria ser “o cara”. 

Mas a vida é uma caixinha de surpresas, como diria o saudoso Joseph Klimber, e fui conhecendo gente nova e ampliando minha visão sobre o Reino de Deus. E através destes amigos e de diversos teólogos/pastores/escritores, fui desenvolvendo novos sonhos pessoais e ministeriais. Nada de grandeza, pelo menos não no conceito de grandeza que esse pessoal da vitória utiliza. Fui entendendo que o Reino é dos pequenos, dos pobres, dos excluídos, dos segregados, e não dos poderosos, não dos ricos, não dos que amam a posição social. 

Como disse no início deste texto, minha cabeça vivia uma guerra teológica. Mas agora essa guerra acabou. Entendi o que Deus quer de mim – aliás, estou entendendo, mas vou esperando e caminhando. E como um de meus combustíveis é a música, vai abaixo uma das canções mais lindas que ouvi nos últimos tempos e que resume bem minha visão de vida, de Reino e de Igreja. 

Em oração eu trilho o caminho que Jesus abriu 
Até o trono onde sua graça flui como um rio 
Santo, santo, anjos cantam, santo 
E pela fé caminho até avistar o autor da minha fé 
E o que eu posso oferecer para honrar quem ele é 
Santo, santo, anjos cantam, santo 
E ao partir me vi, eu sou indigno 
Mas sua voz me diz não vá meu filho
Torne meu sofrimento em testemunho 
Me esvazie de mim e desse mundo 
E que o meu nome morra com meu corpo 
E que o de Cristo permaneça em tudo 
Que eu receba aquilo que preciso e nem um pouco mais 
Me dê os bens que de imediato eu possa abandonar 
Santo, santo, eu canto, santo, santo 
Torne meu sofrimento em testemunho 
Me esvazie de mim e desse mundo 
E que o meu nome morra com meu corpo 
E que o de Cristo permaneça em tudo 
No nome de Cristo, no nome de Cristo 
Amém






18 de fevereiro de 2014

Um desabafo sobre Deus

Este não é exatamente um texto nos moldes do que costumo escrever. Aprendi a amar a crônica na faculdade de Jornalismo e lendo gênios do estilo, como Luis Fernando Veríssimo, Marcelo Rubens Paiva, Rubem Braga e Fernando Sabino. Por isso, sempre que escrevo, busco este formato. Mas hoje não. Hoje escrevo um desabafo sem forma e sem modelo, apenas um grito silencioso no meio do barulho em que vivemos. E como desabafo, não peço que você concorde ou discorde, apenas escute/leia e, caso deseje, ore por mim.

Acredito em Deus. Não em um deus qualquer, não em um deus que cabe em rótulos nem em modelos/métodos. Acredito no Deus criador de todas as coisas. Acredito em um Deus que ama, mesmo sem ser amado de volta. Mesmo sem ser reconhecido como Deus, sem ser admirado e obedecido como tal, acredito que esse Deus ama a todos da mesma maneira.

Acredito em um Deus redentor, que sopra seu Espírito onde quer, em quem quer, quando quer. Acredito que esse Deus fale através de quem ele quiser, mesmo que seja uma pessoa que não se encaixe em nenhum modelo religioso/eclesiástico, mesmo que seja uma pessoa considerada impura pelo pensamento vigente. Sim, acredito em um Deus que fala, que tem voz, que se manifesta.

Acredito em um Deus de muitas faces, face negra, face branca, face asiática, face indígena. Acredito em um Deus de vários ritmos e de muitas culturas. Acredito em um Deus que redime todas as coisas e todos os lugares. Acredito em um Deus que é misericordioso com todos, independente de méritos. Acredito no Deus que deseja que seu povo ame sem reservas e viva como um só coração, uma só mente, um só corpo.

Por acreditar nesse Deus, sofro quando vejo outro deus sendo pregado (vendido). Nesse deus que troca favores, que condiciona sua graça, nesse não creio. Nesse deus que opera a partir de uma lista de regras obedecidas – e que “pesa a mão” quando as regras são desobedecidas, nesse não creio. Nesse deus que não entra em alguns lugares porque são imundos, nesse deus que não se relaciona com algumas pessoas porque são imundas, nesse não creio. Nesse deus cuja bênção pode ser medida pelo tamanho do patrimônio, pelo número de zeros na conta bancária, pela grife da roupa ou pelo ano do carro, nesse não creio.

Acredito no Deus pai, soberano sobre tudo e todos, no Deus de Abraão, de Moisés, de Davi, de Isaías, de Zacarias, de João, de Paulo. Acredito no Deus da Ana, do Bernardo, do Felipe, da Cristina, da dona Josefa, do seu Zé. Acredito no Deus que ama, salva, restaura, reconstrói e liberta. Nesse Deus, o Altíssimo, nesse eu acredito.