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28 de junho de 2012

Heróis de verdade

Questiono com veemência a ideia de que nossa geração precisa de novos heróis. Não falo daqueles encapuzados que cruzam os céus de cidades fictícias combatendo vilões que existem apenas atrás de grandes telas e nas páginas de gibis. Falo de pessoas de carne e osso, seres humanos falhos e imperfeitos, mas que mesmo assim inspiram dezenas, centenas, milhares, milhões. Alguns dizem que carecemos de novos exemplos, de novos ícones, de novos homens e mulheres a quem seguir. Discordo.

Hoje em dia qualquer um que tenha alguma exposição em alguma mídia recebe o título de herói. Participantes de reality shows são chamados assim por suportarem o isolamento em lindas casas com piscinas e todo o tipo de conforto. Atletas recebem esta alcunha quando fazem seus clubes conquistarem títulos. Estes não são heróis de verdade, são oportunistas, querem apenas aparecer. Heróis vivem com e por um propósito maior. 

Hoje vemos inúmeros heróis de brinquedo
Poderia aqui citar diversos tipos de heróis, verdadeiros guerreiros que vivem em nosso tempo. Homens e mulheres que conseguem sustentar suas famílias ganhando salários humilhantes. Homens e mulheres que arriscam suas vidas para que outros possam viver. Homens e mulheres que abrem mão daquilo que têm para que outros venham a ter. Homens e mulheres que gastam seu curto tempo neste mundo para que outros tenham o que comer, beber, vestir e morar. São heróis sem face, que pouquíssimos conhecem, mas que têm lugar de honra na História.

Se hoje nos faltam referenciais de ética, coragem e fé nos tempos atuais, nos espelhemos naqueles que viveram antes de nós. A Bíblia Sagrada é cheia de exemplos. Abraão. Noé. Gideão. Davi. João Batista. Homens como nós, feitos de carne e osso, carregados de defeitos e falhas, mas que viveram pela fé, sofreram pela fé e deixaram um legado que vive até hoje.

Espelhando-me nestes homens e mulheres cujas histórias influenciaram gerações, sinto-me desafiado a viver outro tipo de vida. Abrir mão do egoísmo e abraçar a generosidade. Abandonar o orgulho e me entregar à humildade. Largar os títulos e assumir o serviço. Afastar-me da mentira e buscar a integridade a todo custo. Morrer para a vida solitária e viver verdadeiramente em comunidade. Não preciso de novos heróis. Quero apenas viver como viveram os heróis da fé, homens dos quais o mundo não era digno. 

21 de junho de 2012

A morte da morte

Não sei lidar com a morte. Admiro quem consegue lidar bem com a própria finitude, mas não me dou bem com a ideia de que eventualmente vou deixar esta vida. Sei que é inútil gastar tempo preocupado com o inevitável, mas não consigo evitar certo temor ao pensar que meus dias nesta terra são poucos. Por mais anos que eu venha a viver, ainda assim, para mim, serão poucos dias.

Tenho a sensação de que a morte é algo injusto. Não nasci para morrer. Não tenho vocação para morrer. No entanto, não posso evitar morrer. Muitos tentam, fazem de tudo para prolongar suas vidas, mas como diz a bela canção “Dust in the Wind”, nem todo o dinheiro do mundo pode comprar um segundo a mais de vida. O que fazer, então, para viver livre da angústia do fim?

Não sei. Sinceramente, não sei. O que creio é que a morte não tem a palavra final, pois vivo na esperança da ressurreição. Assim, subverto a ideia original do texto e procuro o outro lado da moeda: a vida. O medo da morte não nos impede de morrer, nos impede de viver. Por isso, penso que, para viver livre do medo da morte, preciso primeiro viver. Viver de verdade, viver intensamente. Como disse o pastor Ary Velloso – que já passou pela morte –, a velha e maldita morte é vencida não apenas pela ressurreição, mas por uma biografia digna. Fazer da vida algo que vale a pena é o primeiro passo para ser livre do medo do fim.

Não se deve olhar fixamente para a morte, mas para a vida
Salomão pinta um panorama poético sobre a morte. Diz que “a vida vai se acabar como uma lamparina de ouro cai e quebra, quando a sua corrente de prata se arrebenta, ou como um pote de barro se despedaça quando a corda do poço se parte”. O sábio diz que a morte é nosso descanso final, momento em que voltaremos ao pó da terra e nosso espírito voltará para Deus. Aqui, torna-se clara a ideia de que é preciso ter fé para ver a morte como a entrada para a eternidade. Para o bem ou para o mal, a morte é a fronteira final entre nós e a eternidade.

Abro um rápido parêntese para pensar na morte do outro. Até agora, falei do que penso sobre minha morte. Pensar na morte do outro me é igualmente difícil, porque entendo que não nasci para ver ninguém partir. No entanto, minha fé me impulsiona a crer que o outro não morre, mas parte para a vida verdadeira. Quando pensamos em morte, é comum imaginarmos que o mundo real é este em que vivemos, onde podemos tocar nas coisas, e que o “além” será quase etéreo, esfumaçado. Tenho tentado ver a vida e a morte com outros olhos, pensando que a vida que começa após a morte é que é a vida verdadeira. Lá, as coisas serão reais, e me lembrarei desta vida como algo etéreo e esfumaçado. Aqui sou quase um reflexo do que serei depois. Fecha parêntese.

Penso na vida como uma jornada, e tenho procurado pensar na morte como o portão de desembarque desta viagem. A morte não é o fim, é quase o início. Ao fechar os olhos pela última vez, dou o primeiro passo para voltar para casa. O trabalhador passa o dia no trabalho, pensando na hora que voltará para casa. O soldado passa dias (ou meses) na guerra, esperando a hora de voltar para casa. Vivo esses breves anos da melhor maneira que posso, esperando a hora de embarcar e finalmente voltar para casa.

15 de junho de 2012

Infinito Particular


Tomo emprestado para o título deste post o nome de um dos álbuns da cantora Marisa Monte. A expressão “infinito particular” me desafia a refletir sobre a imensidão que existe dentro de cada um de nós. Cada ser humano abriga, dentro de si, um sem número de histórias, de emoções, de sentimentos e pensamentos impossíveis de serem decifrados e/ou compreendidos em sua plenitude. Dentro de cada Pedro, de cada Antônio, de cada Suzana existe um universo pessoal, um espaço que nenhum explorador jamais conseguirá percorrer totalmente.

Lembro-me de uma frase do pastor Fabrício Cunha, da Comunidade Batista Vida Nova: “por trás de cada sorriso existe uma história”. Arrisco-me em expandir este conceito e dizer que existem milhares de histórias por trás de cada rosto. E não é dado a todos o privilégio de conhecê-las, de entendê-las ou de participar delas. Cabe a nós, na maioria das situações, apenas saber que existem e respeitar sua memória.

Pensando neste universo que existe dentro de mim e você, acho que finalmente consegui entender as palavras de Jesus Cristo quando este disse “não julguem para que não sejam julgados”. Apontar o dedo indicador para o próximo em atitude acusatória e/ou em juízo é atividade mais corriqueira do que se pode pensar. Julgamos as pessoas ao nosso redor o tempo todo. Nossa, que vestido horroroso a fulana está usando. Mas esse seu tio não vale nada mesmo. De onde beltrano tirou dinheiro para comprar esse carro novo? Que banda ruim, ninguém toca nada, como podem fazer tantos shows? Cuidado com essa garota, ela mora naquele bairro violento, deve ter envolvimento com alguma coisa errada. Vamos disparando a metralhadora para todos os lados, às vezes até sem perceber, ignorando completamente que em cada alvo existe não apenas um rosto, mas um infinito particular que transformou a pessoa no que ela de fato é.

Dentro de cada um existe um universo inexplorado
 Identifico-me tremendamente com a célebre frase de Pessoa que descreve tão bem o universo paralelo que existe dentro de cada um: “tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Cabem em mim todos os sonhos do mundo. E se cabem em mim, cabem também no outro. E se cabem os sonhos, cabem os sentimentos, as decepções, as histórias. Como poderia eu apontar meu dedo e chamar de vagabundo ou rebelde o jovem que foge de casa? E se ele sofria ou presenciava algum tipo de violência e simplesmente decidiu que não poderia aguentar mais aquilo? Poderia citar diversos outros exemplos, mas deixo isto para você, leitor.

Perceber o infinito particular que existe dentro de cada um me faz entender que julgar o outro, mais do que errado, é precipitado e fútil. Pode ser um bom primeiro passo para uma convivência mais harmoniosa com aqueles ao meu redor – e pode ser um grande primeiro passo para a construção de relacionamentos sem pré-julgamentos, relacionamentos livres de conceitos pré-estabelecidos, relacionamentos saudáveis.

11 de junho de 2012

E se tudo der errado?

Fé. Palavra pequena de grande significado e enorme poder. A Bíblia Sagrada apresenta dezenas de vezes este termo, sempre associando à figura divina. De acordo com as Escrituras, fé é a certeza de que vamos receber as coisas que esperamos e a prova de que existem coisas que não podemos ver. Exemplos de fé não faltam. Abraão, quando aceitou sacrificar o próprio filho, demonstrou fé. Moisés, quando ergueu seu cajado às margens do Mar Vermelho. Noé. Davi. Daniel.

É do livro de Daniel que extraio a breve reflexão que se segue, mais precisamente do capítulo 3. Você conhece a história, tenho certeza. Três jovens judeus são escolhidos para trabalhar na corte do rei Nabucodonosor. Um dia, o rei emite um decreto ordenando que todas as autoridades da Babilônia se prostrem e adorem uma estátua de ouro construída à imagem do soberano. Os jovens judeus se recusam e, por isso, são condenados a uma morte perversa: a fornalha. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego são atirados em um forno aquecido sete vezes mais do que o normal e, por intervenção divina, saem ilesos. O rei, estupefato diante de tal acontecimento, reconhece a soberania do Deus de Israel.

Frequentemente vejo-me refletindo sobre esta passagem. Estes jovens tinham boa posição social, eram inteligentes e vinham de famílias tradicionais. Além disso, eram bonitos e tinham bom físico. Resumindo, tinham tudo que alguém poderia desejar ter. Mesmo assim, quando confrontados pelo rei, não hesitaram em renunciar a tudo isso para não desonrar ao seu Deus. Nos tempos em que vivemos, tempos em que muitos praticam uma fé mercantilista, em que o crente decreta e a divindade obedece, em que o importante é conquistar, vencer e comer do melhor da terra, a fé destes três jovens hebreus surpreende pela simplicidade e pela coragem. Explico melhor.

Manter a fé, mesmo que o caminho não leve ao destino desejado
Com o crescimento desta praga da teologia da conquista, da vitória e da bênção, surgiu uma geração de cristãos que simplesmente não sabe lidar com adversidades. Nas palavras de meu pastor, são “cristãos mimados”. Querem o que querem e querem agora. Depositam sua fé em envelopes de ofertas e dízimos, em correntes de oração e vigílias do impossível, sempre esperando uma compensação divina. Tratam a oferta como investimento no banco celestial, que rende muito mais juros que qualquer Santander deste mundo. E quando o deus a quem eles impõem sua vontade não responde, não sabem como agir. Quando, em vez da empresa crescer, vão à falência, questionam o caráter de Deus. E a fé que crê nas coisas que não se vê murcha, evanesce e some de vez.

Sadraque, Mesaque e Abede-Nego chegaram a um ponto crítico em suas vidas: ou negavam suas convicções e se ajoelhavam diante da estátua de ouro – que simboliza o poder e o modo de viver do rei –, ou rejeitavam suas próprias vidas para honrar ao Deus em quem criam. Os três jovens escolheram a segunda opção. Não cogitaram outra hipótese senão a de morrer por amor ao seu Deus. E fazendo isso demonstraram uma fé como poucas já se viu. Disseram “se Deus quiser, ele nos livrará da morte, mas se ele não quiser, mesmo assim não nos prostraremos”. A lição que estes garotos nos deixam é essa, que não importa o que aconteça, confiar em Deus é primordial. Fé que não depende de circunstâncias ou recompensas. É essa a fé que desejo.

5 de junho de 2012

Muros ou Pontes?


Muito se tem falado sobre relacionamentos ultimamente em muitas igrejas evangélicas por esse país afora. A ideia é que a igreja é uma comunidade viva, e que deve viver como uma comunidade de fato. Ok. Esta é a teoria. Mas e a prática, como vai?

Tenho pensado na construção de relacionamentos como uma construção de verdade, algo que precisa ser feito aos poucos, tijolo por tijolo, que requer tempo e paciência. E da maneira como tenho refletido no assunto, penso que só podemos construir duas coisas em nossos relacionamentos: pontes ou muros. Ou construímos pontes que nos liguem às pessoas e nos aproximem delas (lembrando que as grandes pontes têm mão dupla), ou criamos muros que nos isolam dentro de nós mesmos e nos afastam do próximo.

Via de regra, o relacionamento entre cristãos é simples. Creem nas mesmas coisas (ou deveriam), têm os mesmos princípios, seguem o mesmo livro sagrado. Por isso, não me prolongo em mencionar este tipo de comunhão, pelo menos não agora. Quero focar na relação entre pessoas que não dividem o mesmo credo.

Ultimamente, tenho presenciado – com certo espanto, é preciso dizer – certa tendência na busca pelos relacionamentos com os “de fora” da igreja. É alarmante o número de cristãos que não procura mais amizades. Hoje buscam apenas oportunidades para compartilhar sua fé, falar de sua religião e mostrar como são melhores que quem as escuta. Na minha concepção “arquitetônica” de construção de relacionamentos, ao fazer isso estão erguendo muros com uma velocidade impressionante. Não mostram interesse pelo próximo, não querem intimidade, não querem relacionamento. Querem apenas mais uma oportunidade de “vender” seu Deus para quem estiver disposto a comprar.


Sou agraciado em ter muitos e bons amigos. Muitos deles não têm a mesma fé que eu, não acreditam no Deus em quem creio (alguns não creem em deus algum) e não têm interesse algum em religião. Sendo assim, qual é a possibilidade de eu construir pontes com essas pessoas se tentar enfiar meus credos goela abaixo? Nenhuma! Só uma amizade genuína e sem interesses pode construir pontes. Só respeitando o pensamento do outro, entendendo (ou tentando) seus pontos de vista e não desnivelando a conversa – ninguém é melhor ou pior – é que crio um relacionamento genuíno. Arrisco-me a dizer que as pontes se constroem “sozinhas”, quando não tenho interesse em construí-las. Quando foco na ponte, posso erguer um muro sem perceber.

A verdade é que a gente constrói o que quer. Quem quer construir muros não precisa se esforçar muito. Só precisa pensar em si mesmo, em como seu testemunho pessoal é importante, em quanto deve demonstrar atenção para com o próximo (tudo friamente calculado). O “murista”, focando em si mesmo, fecha-se atrás de paredes criadas por si mesmo. A única saída é derrubar tudo e começar de novo. Construir pontes é mais trabalhoso. O processo é mais longo e exige mais paciência. Exige também mais disposição e vontade. Quem quer construir pontes, abre mão de si mesmo, de seus interesses, e foca naquilo que o próximo precisa. E quando a ponte é enfim construída, o trânsito está liberado.